"Vai bicho desafinar/o coro dos
contentes/let's play that"
Torquato Neto
As sinestesias são sempre bem-vindas! Excecionalmente,
como é o caso em apreço, são mesmo bem-aventuradas, portadoras de epifanias
transmutantes e de sintonias afeitas a concordiar os (pres)sentidos. Ao encetar
a escrita deste expedito texto de avaliação a 'pudorgrafia', de suzamna
hezequiel, me (ou)vi subitamente interpelado por uma outra "força
estranha", cantada pela voz tamanha de Gal Costa.
Lendo nas horas precedentes os corpoemas do segundo
livro de hezequiel, eu já me havia (pres)sentido sedutoramente submetido pela
inapelável força estranha de uma corpoética pletórica, pujante, onde pulsa,
indômito, rebelde, le sang d'un poète nas veias, artérias e
capilares de uma cariátide botticelliana. Força estranha que incita a
corpoetisa a entretecer, com palavras que acordam poliédricas, uma
tapeçaria-mosaico no meio do caminho, hoje tortuoso, da poesia literária. Uma
força, leia-se inspiração, que é estranha porque se origina nas entranhas do
corpoético e se projeta, tal como fósforo-foguetão, palavra (ar)riscada e
acesa, em direção ao campanário luminário das estrelas. Uma força que, nunca
abdicando de ser estranha, por bom fim, em nosso corpo se entranha.
Confirmando os bons auspícios anunciados em
'paradox.sou' (2010), 'pudorgrafia' (2015) se metaforiza numa caixa de fósforos,
que suzamna vai (ar)riscando e acendendo, sem ter medo do estranhamento
venturosamente deflagrado por estes incandescentes pontos de lume, de luz de
iridescente cor poesia.
Concebidos, escritos, editados no curso de um íntegro
e integral pundonor autoral, estes vigorosos corpoemas, na aparência
epidermicamente opacos são, na realidade, profundamente hialinos. Pudorgrafias
que expõem estar a corpoetisa disponível para continuar a desafiar e a
desafinar, com suas paradoxias ontológicas, "o coro dos contentes".
Sim, o coro dos que se entregam, submissos, a exangue ortodoxia, a infértil
heterodoxia de que enferma a poesia dominante no planeta.
Danyel Guerra